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Ivo Meco – Professor de Biologia e Geologia / Direcção Liga Amigos Jardim Botânico Lisboa

Ivo Meco
Professor de Biologia & Geologia / Direcção Liga Amigos Jardim Botânico Lisboa
O desejo de um conjunto de cidadãos no sentido do estabelecimento de um jardim público não pode ser tratado como se de um devaneio ou de uma moda passageira se tratasse. Numa qualquer cidade ou vila e, mais significativamente, numa Capital Verde Europeia – que é Lisboa – esta vontade dos cidadãos ao reivindicarem um espaço verde no seu bairro, na sua cidade é, na minha opinião, a vontade de dar voz e movimento a uma urgência social e política, face ao presente e ao futuro.
São mais que sabidas as diversas funções que as árvores e os jardins desempenham nas cidades, para além do lado estético e paisagístico. Numa altura em que as alterações climáticas já não podem ser tema secundário das decisões governamentais, há que pensar a médio e longo prazo e (numa revolução, verdadeiramente, verde e sustentável) ter a coragem política para se tomarem as decisões que permitam a Lisboa e a Portugal estarem preparadas para o futuro difícil que se desenha.
As árvores, respeitando os seus ciclos naturais e as suas copas (sem serem feitas podas criminosas como muitas vezes se verificam – e isto é tema para outra reflexão) reduzem a temperatura das cidades com a sua evapotranspiração; as suas folhas funcionam como amortecedores na queda das gotas da chuva, reduzindo a compactação dos solo e, com isso, maior capacidade de infiltração e menos riscos de cheias. Também reduzem as correntes de ar e funcionam como barreiras acústicas. Muitas espécies, nos jardins e alamedas, resilientes na sua aparente imobilidade, retêm poluentes nas suas folhas e cascas, extraindo-os do ar que respiramos; o dióxido de carbono – um dos gases responsáveis pelo efeito de estufa e que, diariamente, é libertado em toneladas pelos automóveis e veículos movidos a combustíveis fósseis e por variadas indústrias, é capturado pela plantas para crescerem e, numa humilde troca, libertam o oxigénio. Um jardim é uma bolsa de biodiversidade dentro da cidade.
Olhe-se para o mapa de Lisboa e a praça do Martim Moniz. Não há manchas verdes significativas nessa zona de Lisboa. A própria praça está como que incrustada num vale rodeado de betão e vidro, fazendo toda essa zona, naturalmente, estar sujeita a maiores temperaturas. Faz sentido construir mais zona de comércio? Faz sentido argumentar que existe um parque de estacionamento por debaixo da praça, inviabilizando um jardim? Não.
Há jardins instalados em arranha-céus, na cobertura de prédios (Lisboa tem muitos!), pensados para serem instalados em recipientes, onde vingam e prosperam. A parte técnica será a mais fácil, a decisão política, essa sim, é o desafio.
Se olhássemos qualquer cidade como um organismo, os jardins e os espaços verdes seriam o tecido conjuntivo que liga, nutre e sustenta todos os outros tecidos fundamentais, permitindo que esses desempenhem as suas funções de forma saudável. Construir o Jardim do Martim Moniz é uma oportunidade única – social e política – que deve ser abraçada por todos, para se repensar o tecido urbano desta zona de Lisboa e, tornar Lisboa como um exemplo para Portugal e para o Mundo, justificando, plenamente, o desejo de ser uma Capital Europeia Verde.
Mude-se a forma de olhar a cidade e os jardins.
Mude-se a forma de querer viver neles.
Ivo Meco
João Seixas – Géografo & Economista
O Martim Moniz como Espaço Público
João Seixas
Professor na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, Comissário da Carta Estratégica de Lisboa 2010-2024,
Coordenador Técnico-Científico da Reforma Administrativa de Lisboa
Maio de 2019
A. O posicionamento do Martim Moniz na urbanidade de Lisboa
A praça do Martim Moniz (MM) é um dos mais importantes espaços públicos do sistema urbano de Lisboa. Neste espaço dá-se uma rara conjugação de importantes valores [1] . Um posicionamento geográfico central e bem legível por várias escalas, dos bairros mais envolventes e de maior proximidade, ao seu relacionamento e fluidez com territórios mais distantes da cidade e da metrópole. Envolvendo o MM existem importantes comunidades e dinâmicas sociais, económicas e patrimoniais ricas e diversas. Finalmente, o espaço próprio do MM contém, em si, uma amplitude paisagística, um potencial urbanístico, uma capacidade de intersecção social, muito evidentes. Estas são características notáveis e incomuns pelo seu conjunto, que tornam este espaço público num espaço- charneira para toda a cidade de Lisboa. Ainda para mais, quando a cidade e a urbanidade – portuguesa, europeia, planetária – enfrentam hoje sérios desafios e relevantes opções a tomar.
Ao longo da sua história, e apesar desta relevância, este espaço foi quase sempre incompreendido e maltratado. Apenas lembrando tempos mais recentes, desde a higienização ditatorial do lugar nos anos 1940, aos agressivos projectos dos anos 1980, e finalmente à falhada concessão única e comercial da placa central já no início da década de 2010 [2].
Não obstante, apesar deste constante menosprezo político, as características marcantes do MM têm-lhe sustentado uma notável vitalidade urbana, das relações sociais e comerciais mais próximas a uma fluidez relacional a cidade. O MM tem em seu redor grande parte do centro histórico de Lisboa, um território humano e patrimonial único, construído ao longo de séculos e de relevância mundial. Junto a si pulsa uma vasta e variada actividade económica e comercial; importantes equipamentos hospitalares, escolares, culturais e administrativos; e sobretudo uma comunidade humana diversificada e multiétnica, que vive e se movimenta em seu torno. Note-se que somente nos bairros mais envolventes ao eixo Rua da Palma-Almirante Reis, residiam em 2011 cerca de 100 mil indivíduos (INE, Censos). Por sua vez, assiste-se hoje a uma importante mudança sociopolítica, com Juntas de Freguesia mais capacitadas e com uma crescente intervenção cívica e associativa. Em particular, consolida-se uma dinâmica muito viva na zona da Mouraria, onde se têm conjugado de forma virtuosa iniciativas institucionais com acções associativas.
Sendo o MM um espaço tão significativo para toda a cidade, será importante reflectir sobre como Lisboa se tem transformado nos tempos mais recentes. Sobre como a cidade pode – e deve – lidar com as mudanças em curso, e qual o papel dos seus espaços públicos mais essenciais, nestes tempos decisivos. Lisboa enfrenta hoje sérias decisões políticas – de política urbana, seguramente, mas também de política social e económica. Políticas que pugnem por novos modelos globais de progresso. O futuro do MM está intimamente ligado a estes desafios.
Cada vez mais cosmopolita e integrada nas tendências vanguardistas globais, Lisboa é uma cidade que nos últimos anos se tem distinguido por um ritmo muito acelerado de mudança. É bem visível a coexistência e não poucas vezes o confronto entre a activação de agentes de inovação e de progresso, com a estruturação de novos tipos de desigualdades e de segregação. Estes dilemas dão-se hoje nas principais dimensões da cidade: na habitação e nos habitats, na economia e nos empregos, na ecologia e nos transportes, na cultura nas comunidades. Perante a vertigem das mudanças e com uma desequilibrada capacidade de regulação, tornaram-se sérios os riscos de perda de perspectiva social e política, a par dos riscos de redução da diversidade urbana e de uma excessiva monofuncionalizacão dos espaços, das actividades e da própria economia da cidade.
Estes riscos são particularmente preocupantes quando se trata dos espaços mais históricos e centrais, onde se situa o MM. O centro histórico da cidade é hoje palco de importantes dilemas. Sobretudo face aos confrontos pouco saudáveis entre ‘a cidade para o visitante’ ou consumidor ocasional, e ‘a cidade para o residente’ ou habitante quotidiano. Esta é uma relação que deveria ser virtuosa, e não viciosa. A cidade necessita obviamente de ambos, mas face aos actuais desequilíbrios o que necessitará em primeiro lugar será sobretudo de espaços de identificação com a comunidade, espaços de porosidade social, espaços de conforto e de segurança, espaços de confiança cívica. Espaços públicos centrífugos – de abertura e de ampliação da sociedade envolvente – e não centrípetos – de fechamento em si mesmos e nas suas lógicas. Espaços democráticos, ecológicos e com um forte sentido de serem comuns a todos. Assim se reforçando a cidade nas suas melhores capacidades, e reequilibrando-se de tendências demasiado unívocas e efémeras.
B. O Martim Moniz como espaço público de qualidade
A forma como os espaços públicos (EP) são hoje compreendidos, tratados e requalificados, está intimamente ligada aos desafios mais transversais das nossas sociedades. Os EP são, desde sempre, lugares exemplares ao reconhecimento dos níveis de dinamismo socioeconómico, de bem-estar e de qualidade de vida, de sustentação social e cívica de uma cidade. Detêm uma importante capacidade sintomática, de sugestão de tendências de transformação, de demonstração das propostas que cada cidade toma para si e para o seu futuro próximo. Os EP estruturam relacionamentos, formam comunidades, fortalecem trocas e economias, formam sentidos de futuro, suportam a própria democracia. Estas são responsabilidades muito elevadas, notavelmente face aos dilemas que hoje enfrentamos como sociedade e como cidade- nos indivíduos, nas comunidades, na economia, na ecologia.
Estas perspectivas encontram-se bem plasmadas em documentos de referência do planeamento urbano, dos mais clássicos aos mais contemporâneos e que hoje propõem um urbanismo para o século XXI, designadamente a “Nova Carta de Atenas” (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003) bem como publicações de urbanistas europeus e americanos de referência [3].
Nestes âmbitos, e no que concerne à qualificação dos EP das cidades Europeias, esta pode ser hoje compreendida e prosseguida em termos de quatro grandes áreas de objectivos:
1. Em primeiro lugar, espaços públicos inclusivos e como locais de formação de comunidades e de
democracia [4]. Como locais de reconhecimento social e paisagístico – tanto a nível individual como colectivo – e de formação de sentidos de bem comum. Permitindo tanto o relaxe como o relacionamento, tanto a introspecção como o encontro. Ter estas propriedades em simultâneo não é simples, nem mesmo para um espaço público tão fortemente posicionado e relevante como o MM. Porém, em ambientes de grande diversidade – de pessoas, de opções, de encontros, de oportunidades – tal será possível se este for um espaço de acesso universal e inclusivo – e não primordialmente condicionado por consumos ou por determinados tipos de lógicas de usos –, plenamente aberto e apropriável por todos. Proporcionando por sua vez uma porosidade entre os seus vários espaços, escalas e tempos de usufruto. A existência de EP inclusivos tornou-se hoje particularmente relevante, por nos encontrarmos numa época com sérios riscos de atomização do indivíduo e de enfraquecimento dos sentidos sociais e cívicos. Diversos estudos mostram que as actuais gerações digitais são também as que mais sofrem de solidão, as que mais incertezas têm sobre o futuro, as que transportam maiores riscos de desapego às comunidades onde vivem ou por onde passam [5]. Se se permitir uma utilização demasiado unívoca ou enfocada em funções meramente comerciais dos espaços públicos, estes deixarão de ser vistos e sentidos como parte de um colectivo ou de colectivos, tornando-se espaços de simples agregação de processos grupais ou individuais e sob lógicas restritas. Perante os riscos de atomização do indivíduo e de segregação social, os espaços públicos urbanos são essenciais à sustentação dos sentidos de comunidade e de coesão social; sendo mesmo locais de demonstração do que a própria política pode ser, em termos de inclusão, de inovação, de ecologia.
2. Em segundo lugar, espaços públicos como transmissores activos de mensagens ecológicas [6] . Como locais que nas suas paisagens e suas propostas de flora e de biodiversidade, nas suas utilizações e apropriações sociais, e mesmo nas suas prácticas de gestão e de manutenção; demonstrem claras mensagens ecológicas e de potenciação de novos tipos de progresso. Face aos dilemas que hoje temos e perante as realidades das alterações climáticas e outros riscos ecológicos, estas mensagens tornam-se particularmente importantes quando apresentadas em meios fortemente urbanos, como é o caso do MM. Por sua vez, este tipo de mensagens fortalece a coesão social e mesmo a regeneração das diversas dinâmicas de uma cidade.
3. Em terceiro lugar, espaços públicos de qualidade como fomentadores de uma economia urbana envolvente diversa e dinâmica [7]. Sendo locais de reconhecida qualidade paisagística e ambiental, bem como de ampla apropriação social e comunitária, os EP serão elementos agregadores de activos mercantis – tanto pela procura como pela oferta – tornando-se estruturas fortemente subsidiárias de um dinamismo económico e comercial ‘de tempos longos’ e de elevada activação de externalidades positivas nos tecidos urbanos em seu redor. Fomentando-se, por conseguinte, uma cartografia socioeconómica crescentemente segura e resiliente, bem como mais inclusiva e coesa. De referir, em particular, que a própria UNWTO (World Tourism Organization) realçou em relatório recente como o excesso de consumos efémeros pode danificar as comunidades e a própria actividade económica de uma cidade.
4. Em quarto lugar, para se pugnar pelos atributos acima referidos, defendendo-se o primado de uma permanente gestão pública – com debate, participação e suporte das comunidades envolventes – dos espaços públicos. Sendo que estas perspectivas, bem como as acima referidas, se encontram já bem defendidas nas principais estratégias e políticas prosseguidas pela Câmara Municipal de Lisboa. Notavelmente nas seguintes:
- A Carta Estratégica de Lisboa 2010-2024 (CML, 2010), e no que nesta é referido a propósito da requalificação dos EPs bem como a propósito do aumento da qualidade de vida na cidade;
- A revisão do PDM de Lisboa (CML, 2012), e no que neste importante instrumento de gestão e de planeamento territorial é referido a propósito da regeneração urbana bem como da qualificação das zonas mais centrais da cidade;
- A Carta dos Direitos e Responsabilidades de Lisboa (AML e CML, 2017), e no que aqui é definido como os direitos da cidadania;
- A Estratégia Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas de Lisboa (CML, 2016), e no que aqui é referido a propósito da adopção de políticas de solo que privilegiem o potencial ecológico da cidade;
- The Lisbon Declaration on Cities for All: Building cities for citizens and visitors (UNWTO, Governo de Portugal, Turismo de Portugal, CML, 2019);
- Lisboa Capital Verde Europeia 2020 (CML, 2018-2020), e nos objectivos globais bem como nos compromissos assumidos por esta candidatura vencedora [8];
- Em termos mais concretos de políticas de requalificação de EP, veja-se o Programa “Uma Praça em cada Bairro” (CML, 2015-2019). Nestes âmbitos, o que este importante programa propõe como objectivos para a requalificação a Praça do Martim Moniz: Promover a multiculturalidade e evitar a segregação; aumentar o espaço pedonal e a acessibilidade; incrementar a imagem original da memória do lugar como Porta da Cidade; promover a Porta de Entrada nos percursos turísticos através da concretização de infraestruturas; aumentar o espaço verde equilibrando o tráfego local com espaços de repouso e lazer; assegurar a saída de emergência do quartel de bombeiros;
- O Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (CML, 2012), por sua vez fundamentando a alteração do Plano de Urbanização do Núcleo Histórico da Mouraria (CML, 2014), sendo os seguintes os seus princípios estruturantes: melhoria do conforto e segurança; melhoria da acessibilidade e mobilidade; requalificação da imagem urbana; valorização patrimonial; redefinição das zonas de circulação pedonal e automóvel com a criação de zonas de estadia mais funcionais e apelativas; condicionamento da circulação e estacionamento automóvel; renovação de infra-estruturas; introdução de mobiliário urbano e equipamentos adequados; sustentabilidade ambiental e eficiência energética;
- O Plano de Acção Territorial da Colina de Santana (2014), sendo que em termos estratégicos para o processo de regeneração urbana da Colina de Santana, apontam-se três ideias chave:
· Identificação do território como Colina do Conhecimento, densificando a área central com atividades ligadas à Economia do Conhecimento e apostando no Turismo Cultural;
· Reforço da componente residencial, potenciada pela ideia de zona recatada e aprazível, onde se consegue ao mesmo tempo um relativo isolamento e uma surpreendente proximidade ao Centro Histórico e eixos centrais da Cidade;
· Afirmação da Colina de Santana como Eco-Bairro Histórico, através da aposta na reabilitação urbana, melhoria da ambiência urbana e da eficiência ambiental, designadamente tirando partido do aproveitamento do potencial solar.
C. O futuro do Martim Moniz e da cidade de Lisboa
Face ao posicionamento do Martim Moniz – como acima referido, um lugar charneira em múltiplas dimensões, das mais morfológicas e urbanísticas às mais identitárias e socioculturais – o que neste lugar se implementar terá relevantes impactos para toda a geografia da cidade, enviando por sua vez importantes mensagens para todo o seu sistema social e político.
Concessionar este espaço público fundamental da cidade, e por um período longo, a um determinado tipo de entretenimento comercial e a contentores de consumo, pode indiciar que o futuro da cidade central será tendencialmente banalizador e com pouco rumo socio-ecológico. Pelo contrário, activar um projecto de requalificação urbana de grande exigência para esta praça, com o objectivo de se posicionar uma estrutura paisagística, ecológica e de usufruto social, através de um processo público e com uma activa participação comunitária, demonstrará uma forte mensagem de futuro. Uma mensagem que a cidade não só exige como merece.
A CML tem aqui, por conseguinte, uma excelente oportunidade de qualificar a cidade e de apoiar a coesão das suas comunidades, bem como de demonstrar visão e um sentido de futuro que conciliará coesão com progresso, economia com ecologia.
[1] Para estudos e análises sobre a história e envolvência urbanística da Praça do Martim Moniz, veja-se:
- Gustavo Matos de Sequeira (1949) “A Rua da Palma” in Revista Municipal. Lisboa: Câmara Municipal. No 43;
- Marluci Menezes (2008) «A Praça do Martim Moniz: Etnografando Lógicas Socioculturais de Inscrição da Praça no Mapa Social de Lisboa» in Horizontes Antropológicos No 32;
- Ana Rita Elias Almeida “Mouraria: história e forma urbana” (Dissertação de mestrado em Arquitetura, FAUL 2016);
- Maria Alexandra Trindade Gago Câmara e Teresa Campos Coelho (2016) “O palácio dos marqueses de Alegrete à Mouraria: do palácio ausente à memória do sítio” in Cadernos do Arquivo Municipal. Lisboa: Arquivo Municipal. No 5;
- João Appleton (2017) “A Avenida Almirante Reis, uma História Construída do Prédio de Rendimento em Lisboa” (tese de doutoramento, IST, Universidade de Lisboa);
- Tiago Borges Lourenço (2018) “A Mouraria da Velha Rua da Palma. Quatro séculos no ciclo de vida de um arruamento” (Cadernos do Arquivo Municipal, No 9);
- Margarida Tavares da Conceição e Filipa Ramalhete (coord., 2019) “Atlas da Almirante Reis” (no prelo).
[2] Para estudos e análises sobre os projectos propostos para a Praça do Martim Moniz desde os anos 1930, veja-se:
- Luiz Pastor de Macedo (1945) “A Mouraria, o arco e a paciência dos lisboetas” in Olisipo. No 30;
- José-Augusto França (1987) “Nota breve sobre a utopia urbana em Lisboa” in Povos e Cultura, Universidade Católica, No 2;
- José Manuel Fernandes (2017) “Martim Moniz: Breves reflexões sobre os sucessivos projetos de remodelação ou renovação urbana”, in António Miranda e Raquel Henriques da Silva (Coord.) “A Lisboa que teria sido”, Câmara Municipal de Lisboa.
[3] Para estudos e análises sobre o novo urbanismo e a coesão social urbana para o século XXI, veja-se:
-
A Nova Carta de Atenas (Conselho Europeu de Urbanistas, 2003);
-
François Ascher (2001 e 2010) ‘Novos Princípios do Urbanismo, seguido de Novos Compromissos Urbanos’ (Livros Horizonte, Lisboa);
-
Alain Bourdain (2011) ‘O Urbanismo depois da Crise’ Urbanos’ (Livros Horizonte, Lisboa);
-
Richard Sennet (2018) ‘Bulding and Dwelling’ Allen Lane, New York
-
Bernardo Secchi (2013) ‘La città dei ricchi e la città dei poveri’, Laterza, Roma
-
Oriol Nel.lo (2015) ‘La Ciudad en Movimiento’, Díaz e Pons, Madrid
[4]Para estudos e análises sobre a qualidade e a permanência dos espaços públicos urbanos, veja-se:
-
Jan Gehl (2014) Cities for People, Island Press, Washington;
-
Jan Gehl (2011) Life Between Buildings – Using Public Space, Island Press, Washington;
-
Alan Mandanipour (2003) Public and Private Spaces in the City, Routledge, London;
-
Alan Mandanipour (2005) Public Spaces of European cities; Nordisk Arkitekturforskning
-
Alan Mandanipour (2017) Cities in Time: Temporary Urbanism and the Future of the City, Bloomsbury, London;
-
Ana Brandão e Pedro Brandão (ed.) (2019) O Lugar de Todos – interpretar o Espaço Público Urbano (Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa);
-
Project for Public Spaces (2015) What is Placemaking, ver em https://www.pps.org/category/placemaking ;
-
City Parks Alliance (2018) ver em https://www.cityparksalliance.org/mayors-for-parks/why-are-parks-and-lwcf-important
[5]Veja-se por exemplo os trabalhos de notáveis filósofos como Daniel Innerarity (2009) em ‘El futuro y sus enemigos’ (Paídós, Madrid); ou de sociólogos como Zygmunt Bauman (1999) em ‘Liquid Modernity’ (Polity Press, Oxford).
[6] Para estudos e análises sobre a relação entre os espaços verdes urbanos e a coesão social e urbana, veja-se:
-
The Routledge Handbook of Urbanization and Global Environmental Change (2015), Routledge, London;
-
Richard Simpson e Monika Zimmermann (Eds., 2013) The economy of Green Cities – A World Compendium on the Green Urban Economy
-
Joanna Stępień (2017) ‘Urban Green Space as a Tool for Cohesive and Healthy Urban Community’ in ‘Interdisciplinary Approaches for Sustainable Development Goals’, Springer, London
-
Viniece Jennings e Omoshalewa Bamkole (2019) ‘The Relationship between Social Cohesion and Urban Green Space’ in Environmental Research and public Health
-
A.E. Kazmierczak, P. James (2007) ‘The role of Urban Green Spaces in Improving Social inclusion’, Leisure Sciences
-
Jacquelin Burgess, Carolyn M. Harrison and Melanie Limb (1988) ‘People, Parks and the Urban Green: A Study of Popular Meanings and Values for Open Spaces in the City’ in Urban Studies Vol.25
[7] Para estudos e análises sobre a relação entre os espaços verdes urbanos e as dinâmicas económicas das cidades, veja-se:
-
Richard Florida (2017) The New Urban Crisis – Gentrification, Housing Bubbles, Growing Inequality, and what we can do about it (Oneworld, London);
-
Sako Musterd et. Al. (2018) Socioeconomic segregation in European Capital Cities. Increasing separation between poor and rich, in Urban Geography, Volume 38
-
Michael Storper (2013) ‘Keys to the City’, Princeton University Press, Princeton;
-
UNWTO (2018) ‘Overtourism? – Understanding and Managing Urban Tourism Growth beyond Perceptions’ https://www.e-unwto.org/doi/book/10.18111/9789284420070
-
G20 Group ‘Reducing inequalities and strengthening social cohesion through Inclusive Growth: a roadmap for action‘ https://www.g20-insights.org/policy_briefs/reducing-inequalities-strengthening-social-cohesion-inclusive-growth-roadmap-action/
[8] Veja-se, a propósito da cidade de Lisboa como capital verde da Europa em 2020, as importantes declarações das linhas programáticas defendidas pela CML, em http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/lisboa-capital-verde-ja-comecou-e-nunca-mais-vai-parar , as várias propostas em https://www.publico.pt/2019/05/16/local/noticia/exposicoes-obras-politicas-sustentaveis-lisboa-capital-verde-europeia-2020-1872961, bem como as declarações proferidas na recente conferência internacional ‘European Climate Change Adaptation’ (Maio de 2019) em http://www.cm-lisboa.pt/noticias/detalhe/article/sessao-de-abertura-da-ecca-european-climate-change-adpatation-no-ccb
Jorge Barreto Xavier – Professor Auxiliar Convidado do ISCTE-IUL

Jorge Barreto Xavier
Professor Auxiliar Convidado do ISCTE-IUL
Uma grande oportunidade para o centro histórico de Lisboa – o Jardim do Martim Moniz
A Praça do Martim Moniz é um lugar de confluências e divergências.
Aqui confluem histórias de desenho urbano com sedimentos seculares. Histórias da guerra e da paz, de diferentes culturas, utilizações, populações. Histórias de construção e de destruição, de composição urbana e de decomposição. Depois de décadas de ruína, e de sucessivos projetos de requalificação não concretizados, este espaço foi alvo de uma intervenção urbanística, com habitação e comércio, que se consolidou na década de 90 do século passado. Sendo um projeto (hoje, uma realidade) que deixa muito a desejar, tanto em termos de qualidade arquitetónica como em funcionalidades, é um dado do Presente.
A Câmara Municipal de Lisboa tinha decidido fazer da Praça mais um espaço comercial, privatizando a sua gestão. Felizmente recuou, recentemente, na sua intenção, para o que não terá sido indiferente a mobilização da população de Lisboa.
Entretanto, o coração da Praça, no qual já tinha começado a obra de transformação para espaço comercial, o seu centro, com tapumes e destruição de parte do espaço pré-existente, é hoje uma ferida. Não é um lugar, é um não lugar. Não é um espaço de confluência, é um espaço de divergência.
Creio poder dizer que muitos portugueses, estamos fartos da sucessiva e massiva redução do centro histórico das principais cidades a espaços de lojas, lojecas e lojinhas; de hotéis, hoteizinhos e apartamentos turísticos; de restaurantes, cafés e bancas. Espaços para quase exclusivo usufruto de turistas e operadores turísticos.
No caso de Lisboa, a tentação da Câmara Municipal de transformar cada espaço disponível do centro histórico em entreposto comercial é evidente. É constante o abarracamento de praças e jardins, avenidas e cruzamentos. Desde a Praça do Comércio, passando pelo Rossio, Praça da Figueira, Jardim de São Pedro de Alcântara, passeios da Avenida da Liberdade, entre tantos outros lugares, agora quotidianamente usados para barracas de bebidas, queijinhos, bricabraques vários, musicatas a altos brados e tudo o mais que os turistas de fim-de-semana podem consumir. E enquanto os turistas mastigam pão com chouriço e bebem cerveja em copos de plástico, vertendo águas , depois, de forma generosa, em ruas, passeios e esquinas, para alegria dos nossos narizes (faltam as casas de banho públicas), a Câmara arrecada mais receitas, pela ocupação do espaço público pelos comerciantes.
Nem a utilização do espaço público para atividades comerciais é de proibir nem a oportunidade da Câmara arrecadar receitas de condenar. Muitos empregos se têm criado, muitos edifícios têm sido reabilitados. Todavia, como em tudo na vida, é essencial haver pontos de equilíbrio. Será que há um projeto deliberado de transformar o centro histórico de Lisboa num espaço quase exclusivamente turístico, afastando os moradores, a classe média, a população migrante, as escolas, as famílias, os jovens e as crianças e os idosos, para que os tuk-tuks, os airbnbs, os hotéis, as lojas de recuerdos, os restaurantes fast food e as lojas de produtos “à antiga portuguesa” possam deslumbrar os estrangeiros que nos visitam? Será que não se percebe que o coração de uma capital histórica transformado em centro comercial, sem a diversidade dos seus habitantes, do seu comércio tradicional, das livrarias, dos cafés e restaurantes de bairro, das suas escolas e universidades, dos serviços públicos e do comércio destinado a residentes, que uma cidade cada vez mais unidirecionada face à recente vaga turística, corresponde a um risco estratégico em termos de desenvolvimento urbano e uma quebra do contrato de cidadania, que deve colocar a vida da cidade como lugar dos cidadãos?
Turistas, sim, sem dúvida! Bem vindos. Mas não para nos destruir, sim para nos ajudar a construir. Construir cidade é mais que construir hotéis e monotematizar bairros, numa opção de desenho do território que já mostrou os seus riscos e resultados em cidades como Barcelona. Estamos, de facto, a discutir visões estratégicas de cidade – cidades com bairros com especialização de funções e classes sociais, ou cidades com pluralidade de funções e classes sociais nos bairros. Sem contrariar a importância de uma certa especialização urbana, o que defendo é que a mesma não deve criar guetos urbanos, seja de ricos, seja de pobres, de comércio ou de indústria, de serviços ou de lazer.
Todos sabemos como se valorizou o metro quadrado nos centros históricos de Lisboa e Porto. Essa é uma razão adicional para que decisões estratégicas não sejam ditadas, em primeiro lugar, por um sentido do lucro. Em primeiro lugar, numa cidade, está a qualidade de vida dos cidadãos. O lucro é uma oportunidade, a conjugar, nunca a limitar, essa qualidade de vida. O paradigma das dinâmicas mercantis deve ser o desenvolvimento económico e social em que haja, por um lado, incentivos aos empreendedores e, por outro, redistribuição da riqueza pela sociedade no seu todo. Esta orientação é essencial, para evitar sociedades disfuncionais, que mais tarde ou mais cedo geram situações de radicalismo e violência.
Mas voltando ao Martim Moniz: eis uma Praça que é um território mal-amado há décadas. Mas que grande oportunidade que existe, agora, de o transformar em espaço bem-amado!
Os muitos metros quadrados da Praça do Martim Moniz podem e devem ser um espaço verde. Um jardim. Lisboa, na Freguesia de Santa Maria Maior, a mais histórica da cidade, a mais central, não tem jardins. Quero dizer, espaços como a colina do Cerco da Graça, o Campo das Cebolas, o Largo do Carmo, não são, não têm a topografia, a dimensão e a possibilidade única que a Praça do Martim Moniz representa como espaço verde. Trata-se de transfigurar – para melhor – o centro histórico de Lisboa.
Trata-se da possibilidade de ter um jardim frondoso, onde o verde das árvores e da relva sejam dominantes, sem barracas, com um espaço central que permita atividades conviviais e, eventualmente, com duas pequenas esplanadas nos extremos, um espaço verde de estar. Que transformação maravilhosa! Transformação para toda a população da Mouraria, que poderá fazer deste, o seu ponto de encontro. Transformação para toda a população da encosta do Hospital de São José e da Rua da Palma. Lugar de confluência e repouso para cidadãos e visitantes, portugueses e estrangeiros, na confluência do Rossio, Praça da Figueira e Almirante Reis. Um luxo partilhado, um espaço de frescura, de repouso, de encontro, um sinal afirmado da democracia a funcionar – um espaço, uma praça para todos.
Trata-se de uma decisão política que, a acontecer, não se limita a corresponder aos anseios dos cidadãos. Trata-se de uma decisão que é muito relevante para uma ideia de cidade, para uma caminho de qualidade de vida, no centro histórico de Lisboa.
É, de facto, muito simples – decidir fazer um jardim da Praça do Martim Moniz e pedir a uma equipa camarária competente que o elabore e concretize. Se se renovou o Jardim do Campo Grande em tempo útil, certamente o mesmo será aqui possível.
Nós, cidadãos, agradecemos que haja da parte dos políticos eleitos de Lisboa a clarividência que conclua o processo – positivo – de paragem do abarracamento e privatização da Praça, que estava em curso.
Jorge Barreto Xavier
Lucinda Fonseca Correia - Arquitecta & Investigadora

Lucinda Fonseca Correia
Arquitecta & Investigadora
O Caso do Martim Moniz
A questão do Martim Moniz não se resolve considerando apenas a praça do Martim Moniz. Aliás, as problemáticas implicadas neste caso devem ser apreciadas numa escala diferente daquela que um espaço transformado artificialmente em praça, por decisão política, supostamente exigiria. A actual praça do Martim Moniz surge com a supressão de uma parte do tecido urbano que dava sentido a esta zona da cidade no seu traçado medieval. Há, ainda no séc. XX, pelo menos dois momentos assinaláveis de intervenção urbanística neste espaço – as demolições das décadas de 50/60 e as construções da década de 80. Assim, um duplo ou triplo critério que corresponde às sucessivas fases de intervenção de que o espaço do Martin Moniz foi alvo, veio impor a coexistência de visões diferentes de cidade.
O que ali foi feito, sobretudo nas últimas décadas, não tem ajudado na qualificação de um espaço que acabou por tornar-se paradigmático porque adquiriu aquelas características. A maneira como se concebeu e se tem explorado a presença dos edifícios que cingem a praça é simplista, confusa, desapropriada e torna muito difícil uma “resolução” satisfatória desta espécie de chaga aberta na cidade. É que, de facto, aqui não houve a manifestação daquele talento visionário, como no caso da Baixa Pombalina, de planeadores e urbanistas que conseguiram resolver contradições no modo de se fazer cidade, articulando, com coerência, o testemunho de diferentes épocas. Mas também é verdade que o nosso hábito acaba por re-significar os lugares, emprestando-lhes valores que têm a ver com a memória e experiência pessoais do seu uso, conciliando, por vezes, contradições quase irresolúveis. Deste modo, habituamo-nos ao “novo”, ao “velho”, ao “exótico”, ao “absurdo” e até ao totalmente inadequado porque associamos memórias gratas à sua vivência.
Com efeito, por detrás daquilo que se tem proposto, ultimamente, desde os esquemas mais abstractos até às propostas mais concretas e impressionantemente visuais, parece haver uma assunção de conceitos de cidade que se atropelam uns aos outros e se esquecem da realidade sociológica de cada bairro circundante, da memória dos lugares, das culturas locais e das exigências ambientais em relação, por exemplo, a equipamentos colectivos que a legislação futura, norteada pelos princípios da sustentabilidade, certamente não tolerará. Queremos acreditar obviamente que Lisboa, como cidade, terá futuro. Torna-se, pois, legítimo atribuir à tensão entre os espaços público e privado um papel determinante na definição do perfil dos seus utilizadores e habitantes. Aliás, a cidade, como macro-objecto, determina sempre a condição de quem a usa e habita: ricos ou pobres respiramos o mesmo ar; a pé, de bicicleta ou de carro deslocamo-nos todos nas ruas da cidade.
Panorâmica da praça Martim Moniz e da rua da Palma aquando das demolições (1951-05) / AML Fotográfico-EDP00157 ©Eduardo Portugal
As dinâmicas que se geram numa cidade como Lisboa, pela introdução de novos espaços públicos ou privados, que vão alterar os equilíbrios entre os vários sistemas de suporte que, por sua vez, viabilizam a vida da cidade, são complexas: elas obrigam ao desenvolvimento de análises multidisciplinares cuja síntese permite avaliar a qualidade urbanística dos diversos tipos de intervenção. Já sabemos que cada ponto de vista, pela natureza das disciplinas de que se socorre, acaba por tentar impor os seus interesses ou uma metodologia que lhe é própria. E assim, é necessário, com alguma preocupação de equilíbrio, evitar a sujeição de um diagnóstico aos interesses políticos, económicos, filosóficos ou até religiosos, das forças que sempre se manifestam nos processos ditos “técnicos” de qualificação dos espaços, sobretudo no caso dos espaços públicos.
Todos sabemos que a urbanidade é um processo negociado. Em que é que o planeador/urbanista está a contribuir, antes de propor soluções, para o diálogo entre os diferentes agentes de mudança ou de conservação, em cada caso específico de intervenção na cidade? Não é verdade que, a partir do Iluminismo esta responsabilidade colectiva deixa de existir com a emergência de um “despotismo esclarecido”? De resto, não terá sido sempre aplicada esta lógica, com raríssimas excepções, na evolução de Lisboa, a partir do século XVIII?
Este “esclarecimento” (tantas vezes “despótico”) dos interventores (sobretudo, os políticos), mesmo com boas intenções, tem destruído sistematicamente aquilo a que poderemos chamar as “culturas da cidade”. Em consequência de tudo isso, qualquer discussão projectual sobre a praça do Martim Moniz deverá envolver a população, isto é, as comunidades e os grupos de interesses que a vão usar. Mas, por aqui, só se obterão bons resultados com a aplicação de uma ideia de cidade que respeite a sensibilidade e os interesses dos actores locais e das organizações da sociedade civil. Perante os novos desafios da necessidade de tornar as cidades sustentáveis, no sentido pleno do termo (alterações climáticas, poluição, ruído, dispêndio de recursos, mobilidade, etc) estaremos nós dispostos a empreender tal tarefa (com a consciência de que isso dificultará os nossos negócios imediatamente lucrativos)? Terão os decisores políticos competência para tal, já que não há ainda na legislação em vigor, uma definição científica e cultural realmente aplicável de “sustentabilidade”?
Maqueta de remodelação urbanística da praça Martim Moniz (194-) / AML Fotográfico – ANS000010 ©António Serôdio
Nas últimas décadas, muitos pontos de vista que a Arquitectura ignorava – o da Antropologia, o da Biologia, o da Ecologia, o da Psicologia ou até o da Linguística, por exemplo – foram implicados no raciocínio arquitectónico-urbanístico, o que veio tornar as apreciações ainda mais complexas e, lamentavelmente, mais oportunistas. Por um lado, sentimo-nos todos autorizados a falar da cidade, o que é bom pois há toda uma actividade de vigilância e controlo que, por vezes, tem tirado da mão de uma “elite” política decisões de fundo, fazendo, por exemplo, reverter opções meramente “especulativas”. Por outro lado, a falta de preparação dos críticos que, exactamente, só são capazes de avaliar um desempenho projectual claro na perspectiva daquilo para o que ganharam uma certa competência, como, por exemplo, a apreciação da tecnicidade ou da benevolência de um desenho (porque é actual, estando na moda, porque é cosmopolita e cheira a “metrópole” bem sucedida ou merece conotações plásticas “ousadas” e “originais” muitas vezes, reinterpretando “livremente” a tradição para, afinal, suprimir em definitivo as suas marcas) transforma os júris dos concursos em instrumentos de avaliação ainda mais permissivos a soluções destrutivas do que o habitual aproveitamento “espontâneo” do espaço público por parte dos habitantes. É que, fora das abstrações “técnicas” e “científicas” das disciplinas, há uma lógica de sobrevivência criada pelas necessidades dos moradores, dando sentido a uma vivência (oportuna) dos espaços.
Acresce que a própria ideia de “integração” das diferentes perspectivas e conceitos da realidade urbana não é mais do que o desejo projectado em programas de uso que ignoram, de facto, a complexidade da vida real impondo uma racionalização forçada (e artificial) e promovendo uma espécie de iliteracia urbana que inaugurou, depois da Segunda Grande Guerra, uma nova forma de “nomadismo” a que os habitantes das grandes cidades já não conseguiram mais escapar. Os bairros antigos que foram poupados acabaram por assumir-se como guardiões do que resta dessas “culturas da cidade”. Este paradoxo constitui, porventura, a maior tragédia da evolução das cidades, sobretudo a partir do século XIX, onde tudo isto já se desenhava.
De resto, o perfil dos júris de que falávamos revela claramente as pretensões de quem os nomeia. Trata-se sempre de “especialistas” ou de personalidades cuja mentalidade, tantas vezes, elitista (a partir de um conceito de “elite” que, assim se auto-considerando, nos quer assegurar que sabe tudo), condiciona as suas escolhas a autores de nomeada ou totalmente desconhecidos, por exotismo e bizarria (como se o gosto da moda fosse um critério legítimo), ignorando a adequação das propostas às necessidades ou a legitimidade social das soluções. Não há cultura urbana sem lugares. A consciência do que poderemos chamar a nossa “incultura urbana” deveria impor-nos, em tais situações, júris onde estão representados todos os interessados neste tipo de processos, desde os decisores políticos, passando pelos técnicos, até aos próprios habitantes.
Praça Martim Moniz / Janeiro 2019 ©Joana Varajão
Lisboa vai ser Capital Verde Europeia 2020. A verdadeira assunção deste compromisso paralisaria a maior parte dos exercícios urbanos de estratégia fundamentalmente economicista que promovem o aproveitamento especulativo, comercial ou industrial, do espaço público, entendendo-se especulação como o lucro imediato de um investimento privado sem mais-valia pública, a não ser uma espécie de entretenimento e consumo baratos de bens e serviços. Assim, porque os nossos olhos estão postos no Martim Moniz não é permitido que dele se faça aquilo que se quiser em nome do progresso, do lucro, de uma forma de racionalização mais ou menos agressiva ou de qualquer modo fantasioso e oportunista (pretensamente prestigiante) de fazer cidade que nada tem a ver com as memórias do local ou com quem o habita. O Martim Moniz tem história; o Martim Moniz existe e, se soubermos manter firme a nossa atitude de resistência, o Martim Moniz terá um futuro.
Lucinda Correia
28.07.2019
Luísa Schmidt – Socióloga

Luísa Schmidt
Socióloga
Jardim do Martim Moniz
Um Exemplo de Cidadania Activa
A Praça do Martim Moniz é o lugar mais cosmopolita de Lisboa, onde se cruzam mais de uma centena de identidades linguísticas e culturais, e é uma das zonas onde mais população jovem e em idade activa tem encontrado habitação, pelo menos até há pouco tempo, antes do turismo formal e informal começar, também ali, a tomar conta da zona.
Mesmo assim esta é uma área da cidade onde as reacções públicas se fazem sentir. Defender uma cidade não é só proteger as suas muralhas contra os inimigos que a querem subjugar, como o fez próprio Martim Moniz; é defender o direito a ela, nas casas, nas ruas e nas praças. E é isto que um movimento de cidadania está a fazer: está a defender Lisboa manifestando, como aliás lhe foi pedido pela própria CML, a sua opinião sobre como é que gostaria que aquela praça vizinha às suas casas e ruas fosse finalmente resolvida.
A resposta não podia ser mais clara: do que toda a gente sente falta é de um espaço verde, um jardim, aberto e sossegado que ligue as encostas vizinhas e que permita o encontro e afirmação do bairro para além dos apertos, do ar poluído, e do ruído constante. Colmatando assim a total ausência de uma área verde nesta parte da cidade.
Aliás, nada que a Câmara não tenha vindo a fazer noutras zonas, como foi o caso mais recente do Jardim do Caracol da Penha, que passou de um projectado parque de estacionamento para um jardim, depois de um movimento cívico empenhado ter conseguido lutar por isso reunindo uma petição com 2600 assinaturas e ganhando o orçamento participativo.
Seria por isso de estranhar que continuasse a insistência num absurdo e até bizarro projecto de perfil incerto, que nem era um centro comercial, nem uma feira do Relógio, na suposição infundada de que com o empilhar de uns contentores para servir de lojas chamando-lhe Martim Moniz Market, se faria ali qualquer coisa de útil. É que nem para os próprios comerciantes parecia ser uma mais-valia e por isso, em boa hora, o projecto foi cancelado e o espaço devolvido à população.
O movimento Jardim Martim Moniz, felizmente mais uma iniciativa cívica composta por cidadãos, comerciantes e organizações da sociedade civil, tomou nas suas mãos propor um novo destino para aquela Praça e lutou (e luta) por isso.
Oxalá seja bem-sucedido e sirva de exemplo para muitas outras situações, em todo o país e à escala internacional, onde os movimentos de cidadania podem fazer toda a diferença quanto ao destino das coisas comuns, fazendo também da governação da cidade uma tarefa partilhada e enriquecida pelo engenho, experiência e contributo de todos
Luisa Schmidt
Manuela Correia – Médica Psiquiatra, Plataforma em Defesa das Árvores
Margarida Cancela d'Abreu – Arquitecta Paisagista

Margarida Cancela d’Abreu
Arquitecta Paisagista
Em defesa da Praça Martim Moniz
Lisboa é das cidades europeias com menor percentagem de espaços verdes por habitante, sobretudo espaços verdes públicos.
A Praça Martim Moniz, pela sua localização, dimensão e enquadramento, pode desempenhar um importante papel na cidade. Para tal deverá constituir:
- Um espaço público, sem privatizações e triplamente aberto (sem edificações, acessível a toda a população e permitindo encontros/actividades cosmopolitas);
- Uma praça ajardinada e equipada, proporcionando amenidade climática – especialmente aberta no inverno e ensombrada no verão;
- Um espaço protegido da poluição atmosférica e sonora;
- Um espaço utilizável (e não só decorativo) com zonas mais tranquilas, de estadia, e zonas mais animadas, de circulação e recreio activo;
- Com uma criteriosa plantação (complementada por pérgulas ou toldos), que assegurem protecção dos ventos dominantes, ensombramento e circulação de brisas no verão, variação de folhagem e floração ao longo das estações do ano, presença de alguma fauna;
- Com especial cuidado nos pavimentos, de forma a garantir conforto, segurança e usos diferenciados;
- Com elementos de água, que contribuam para o gozo visual e sonoro e a amenidade climática;
- Um espaço com equipamentos para as diversas idades, privilegiando equipamentos amovíveis, que os utentes componham de acordo com diferentes interesses e criatividades;
- Um espaço pouco construído, permitindo variedade de usos, composições, compartimentações do espaço e espectáculos.
Este programa deverá ser desenvolvido por técnicos com formação específica, cujas competências estão amplamente reconhecidas e disponíveis na sociedade portuguesa e na própria Câmara Municipal de Lisboa.
Margarida Cancela d’Abreu
Arquitecta Paisagista 03 Junho 2019
Mário Alves – Especialista em Mobilidade
Mário Alves
Especialista em Mobilidade
Estrutura viária de Lisboa – duas setas apontadas à baixa pombalina
A estrutura viária de Lisboa é, em grande parte moldada, pela sua estrutura topográfica. Os dois vales que desaguavam no Tejo, naturalmente passaram a ser, ao longo dos séculos, canais de comunicação – Avenida da Liberdade e Almirante Reis. Primeiro pedonais, depois no Século XIX os eléctricos e, finalmente, no Século XX tráfego motorizado e o metro. Estes dois eixos, que neste momento continuam a ser esgotos de tráfego a céu aberto, são duas setas apontadas à Baixa Pombalina. A Av. da Liberdade termina na Praça dos Restauradores e o vale da Avenida Almirante Reis, depois de um curto troço apelidado de Rua da Palma, termina na Praça do Martim Moniz [1].
Poluição atmosférica
Sabemos que os picos de poluição atmosférica em Lisboa fazem disparar o número de crianças com problemas respiratórios e também aumentar o risco de mortalidade, sobretudo na população idosa [2]. Estes estudos tornaram evidente a relação entre a zona de residência das crianças com problemas respiratórios atendidas na urgência e as áreas da cidade com maiores níveis de partículas [3]. Os dados mostram, pela primeira vez, que, na sequência de picos de poluição (três a cinco dias depois), a afluência às urgências pediátricas do Hospital D. Estefânia por infecções respiratórias tem um aumento significativo. Isto, apesar de, habitualmente, estas doenças já representarem um terço dos atendimentos na unidade, sobretudo por infecções agudas, asma e pneumonia. Nota ainda o Projecto Riskar LX que o aumento de 10 μg/m3 na concentração diária de partículas em suspensão na atmosfera, PM10, produz um aumento de 0,66% na mortalidade por todas as causas (excepto externas) e um aumento de 1,15% na mortalidade por causas do aparelho circulatório. Chamam ainda a atenção os mesmos investigadores, que que são os grupos mais vulneráveis e que, simultaneamente, menos utilizam o automóvel (como os idosos ou os moradores em centros históricos), que se mostram mais propensos a intervenções/políticas restritivas do tráfego [4].
Em 2017, quinze locais em Portugal ultrapassaram o nível máximo de partículas finas inaláveis (PM2,5), que a Organização Mundial de Saúde determina não dever ser superior a 10 microgramas por metro cúbico de ar – um desses locais era na cidade de Lisboa. A construção urbana a norte da cidade, ocorrida nas últimas décadas, reduziu os ventos na zona central da capital, aumentando por isso as partículas atmosféricas em suspensão, em especial das partículas inaláveis PM10 e PM2.5.[5]
As partículas atmosféricas em suspensão estão presentes com especial incidência nas principais avenidas de Lisboa (incluindo a Avenida Almirante Reis), tendo origem no tráfego rodoviário, nomeadamente através das emissões do escape dos veículos, dos travões ou do desgaste dos pneus [6].
Associado ao problema das partículas atmosféricas, existem ainda outros poluentes perigosos nas praças e ruas de Lisboa, o ozono (O3) e dióxido de azoto (NO2) – os indicadores poluentes na cidade de Lisboa estão online no site da Agência Portuguesa de Ambiente [7]. Cada vez mais estudos recentes indicam que a perigosidade deste tipo de poluentes é bem mais grave do que se julgava.[8]
Ruído
O ruído do tráfego automóvel tem vindo a ser considerado na última década um dos principais factores que afecta a qualidade de vida dos habitantes das cidades, havendo cada vez mais especialistas em saúde pública a alertar para os efeitos graves e profundos do ruído [9]. O excesso continuado de ruído produz efeitos já isolados por diversos estudos [10]: alterações no sono, problemas cardiovasculares, tensão, condutas agressivas, dificuldades de concentração, maior risco de obesidade abdominal ou diabetes, hipertensão, dificuldades de aprendizagem e de atenção entre os mais jovens, para além de afectar a saúde mental [11].
O PDM de Lisboa classifica a totalidade do território municipal como zona mista, não devendo estas zonas ser expostas a níveis sonoros de ruído ambiente exterior superiores a 65 dB(A) e 55 dB(A) respectivamente para o Lden e Ln (ver mapa). Esegundo a lei nacional as zonas mistas não podem ficar expostas a um LAeq do ruído ambiente exterior, superior a 65 dB(A) no período diurno e 55 dB(A) no período nocturno. É por demais evidente da consulta do Mapa de Ruído que o tráfego rodoviário constitui a fonte de ruído mais relevante na cidade (principalmente na zona do Martim Moniz).
Plano de Acção do Ruído (PAR) realizado pela CML identificou o eixo Gago Coutinho – Almirante Reis, que termina no Martim Moniz como uma das dez zonas com mais urgente necessidade de intervenção[12].
Na zona do Martim Moniz e na zona da baixa pombalina (Praça D. Pedro IV até à Praça do Comércio), os níveis sonoros têm valores entre os 65 e 70 dB(A), para o indicador (Lden), e entre os 60 a 65 para Ln[13]. Violando, por isso, a lei nacional e as recomendações internacionais para ambientes urbanos saudáveis.
Fonte: Mapa de Ruído da cidade de Lisboa
Rede Viária
Pela consulta do PDM de Lisboa a Avenida Almirante Reis passa de uma via de 2º nível para o 3º nível na metade a Sul da avenida. Sendo que a Praça do Martim Moniz e a ligação à Baixa Pombalina continuam a ser servidas com vias de 3º nível. Sendo por isso óbvia a intenção do PDM de reduzir e restringir o tráfego na parte final do eixo da Avenida Almirante Reis. No entanto, até hoje nada foi feito nesse sentido.
PDM LISBOA
A Praça do Martim Moniz tem cerca de 2 Hectares, dos quais cerca de metade é dedicado à rede viária – uma argola de tráfego que constitui uma óbvia barreira à fruição da praça pelas pessoas (muitas delas idosas). Sendo que, para além da Praça (cerca de 1 Hectare), os corredores marginais dedicados aos peões e espera de transporte público, são extremamente diminutos e descon fortáveis.
Os atravessamentos pedonais são escassos, mal localizados (fora dos percursos naturais dos peões) e perigosos (especialmente tendo em consideração a população idosa residente)..
A última intervenção na praça Martim Moniz foi feita no pináculo do paradigma automóvel, com uma distribuição de espaço entre os diversos modos de transporte que seria considerada inadmissível actualmente. O excessivo espaço dedicado ao tráfego motorizado, leva a que os automóveis usem o Martim Moniz em excesso de velocidade. As larguras das faixas de rodagem são desnecessariamente grandes, para o tráfego actual, e totalmente inadequadas para futuras restrições de tráfego à Baixa Pombalina, que terão que ser tomadas com urgência nos próximos anos.
Boas Práticas Europeias
Cada vez mais cidades na Europa estão a adoptar medidas muito fortes de restrição ao tráfego automóvel.[14] Hamburgo, Oslo, Helsínquia e Madrid anunciaram recentemente os seus planos para se tornarem cidades livres de automóveis particulares (com excepções para pessoas com mobilidade reduzida, cargas e descargas e por vezes para residentes). Outras cidades como Paris, Milão, Chengdu, Masdar, Dublin, Bruxelas, Copenhague, Bogotá e Hyderabad já adoptaram medidas que visam reduzir o tráfego motorizado, incluindo a implementação de dias sem carros, investimento em infraestrutura para peões e utilizadores de bicicleta, forte restrição ao estacionamento e aumentos consideráveis na oferta de transporte público. Os efeitos desejados, e em alguns casos já confirmados, de tais políticas são reduções significativas na poluição atmosférica, do ruído e das ilhas de calor relacionadas ao tráfego nos centros das cidades – em alguns casos com reduções de quase metade nos níveis de NO2 em dias sem carros.
Madrid o ano passado implementou “Madrid Central” (que apesar do seu futuro incerto em virtude da nova gestão autárquica) tornou 472 hectares[15] do centro de Madrid só acessível em automóvel por parte de residentes e em Transporte Público. Os não-residentes podem entrar mediante autorizações especiais, nomeadamente veículos eléctricos para estacionar em parques públicos e exceções são feitas a pessoas com mobilidade reduzida. Apesar da possibilidade de ser da implementação vir a ser reformulada, os mais recentes eleitos já prometeram apresentar um plano de restrição automóvel nos próximos meses. No segundo trimestre de 2019, o único com o sistema de multas no acesso a “Madrid Central” em pleno funcionamento, as estações de medição da Câmara Municipal de Madrid registaram os níveis mais baixos de poluição por dióxido de azoto (NO2) nos últimos dez anos [16].
Em Oslo tem neste momento 130 hectares com restrições à circulação automóvel (com as excepções habituais a pessoas com mobilidade reduzida e Transportes Públicos). Durante 2017-18 eliminaram quase 1000 lugares de estacionamento, tendo só mantido cerca de 50 para cargas e descargas e pessoas com mobilidade reduzida, e aproveitando o espaço do estacionamento eliminado para a plantação de árvores, áreas de estadia, pequenos jardins, parques infantis.
Londres tem há mais de dez anos uma zona de 610 hectares onde os veículos pagam cerca de 13 Euros para entrar. Mais recentemente em Abril de 2019 foi criada a Ultra-Low Emissions Zone, em que veículos a diesel e a gasolina anteriores a 2006 terão que pagar cerca de 11 euros para entrar num cordão assinalado a verde no mapa.
Verde (Ultra-Low Emissions Zone) – 11 Euros
Vermelho (Congestion Charging) – 13 Libras
Martim Moniz como Hall de Entrada “verde” para a Baixa Pombalina
A candidatura a património Mundial da UNESCO da Baixa Pombalina – “Lisboa Histórica, Cidade Global” está neste momento a ser avaliada. Se quisermos aumentar o sucesso da candidatura e preservar esta herança universal, medidas de restrição ao tráfego automóvel têm que ser tomadas com urgência. Como já demonstramos, os efeitos da poluição atmosférica e ruído afectam de forma grave a qualidade do espaço público e até o património histórico construído. Lisboa é neste momento uma das poucas capitais Europeias (senão a única) que não possui um Plano de Mobilidade Sustentável. Será neste plano, que esperamos que seja lançado em breve, que este tipo de debate deverá ocorrer de uma forma integrada e largamente participado pela sociedade civil. Mas não deverá haver dúvidas que terão que existir medidas fortes de restrição ao automóvel particular na cidade de Lisboa, especialmente em áreas mais sensíveis como as zonas históricas e residenciais [17].
Como tal, o Martim Moniz (assim como os Restauradores) será um elemento chave de contenção do tráfego de entrada na Baixa Pombalina. Perante a emergência climática e ambiental, a importância de novas e abundantes zonas verdes na cidade será uma das questões inadiáveis. A Praça do Martim Moniz, poderá ser um “tampão verde” ao tráfego rodoviário que entra na Baixa. Logo que esse filtro restritivo (com regras a debater pela cidade) seja implementado o eixo Gago Coutinho – Almirante Reis, que termina no Martim Moniz teria uma drástica redução de tráfego a montante do Martim Moniz e na própria praça, dando resposta assim à urgente intervenção preconizada pelo Plano de Acção do Ruído (PAR) realizado pela CML.
No futuro, esperemos que próximo, deverá ser equacionado o renascer da rede de eléctricos de Lisboa. A Carreira nº 2 (Largo Martim Moniz, Rua de S. Lázaro, Campo dos Mártires da Pátria, Rua Gomes Freire, Rua e Largo D. Estefânia, Arco do Cego, Av. Duque de Ávila, Av. Republica, Campo Pequeno, Entrecampos, Campo Grande, Alameda das Linhas de Torres, Lumiar), suprimida em 1971, poderá regressar, pelo menos para subir a colina do Campo Mártires da Pátria e chegarmos às avenidas novas. A nova Praça do Martim Moniz deverá ser desenhada para o conforto pedonal e como ponto de chegada e partida de transporte público ambientalmente sustentável.
Para reduzir os impactos ambientais do automóvel, será necessário reduzir consideravelmente o estacionamento à superfície na Baixa, assim como no Martim Moniz. Os estacionamentos subterrâneos deverão ser usados principalmente por residentes e para interpostos de micrologística.[18] Há demasiado estacionamento subterrâneo no centro da cidade de Lisboa. Grande parte destes espaços deverão ser transformados em Urban Consolidation Centres (UCC). A utilização de veículos elétricos para a logística urbana, nomeadamente SEV’s (small electric vehicle), tem sido muito divulgada e com casos práticos de sucesso, mais concretamente ao nível ambiental e dos custos de operação.[19]
Todos estes planos de contenção de tráfego e redução dos impactos ambientais na cidade e na Baixa Pombalina terão necessariamente que incluir o Martim Moniz. É por isso imprescindível lançar uma grande discussão pública do que queremos para esta praça, que foi tão maltratada ao longo de décadas. Só um debate, alargado, transparente e sem constrangimentos contratuais futuros poderá permitir transformar o Martim Moniz num espaço mais humano e numa peça fundamental para alteração de paradigma de mobilidade na cidade de Lisboa.
[1]Plácido, I. V. D. S. (2011). A água como motivo e motor do desenho urbano. O vale da Avenida Almirante Reis (Doctoral dissertation, ISA/UTL).
[2] Moreira, S., Silva Santos, C., Tente, H., Nogueira, L., Ferreira, F., & Neto, A. (2008). Morbilidade respiratória e exposição a partículas inaláveis na cidade de Lisboa.
[3]Ferreira, G. M. F. (2017). Associação entre qualidade do ar interior e prevalência de asma em crianças-regressão logística multivariada.
[4]Tente, Hugo & Ferreira, Francisco & J. Leitão, M & Gomes, Pedro & Santos, Carlos & Nogueira, L & Schmidt, Luísa & Guerra, Joao & Baixinho, Alexandra & Nicolau, Rita & Machado, Ausenda & Lira, M. (2013). Projecto Riskar LX: Avaliação do Risco Associado à Poluição Atmosférica em Lisboa – Alguns Resultados.
[5]Avaliação da qualidade do ar ambiente na região de Lisboa e Vale do Tejo em 2016, (2017), CCDRLVT.
[6]Torres, P., Costa, S.,Ferreira, J., Silveira, C., Miranda, A. I., Teixeira, J. P., … & Mendes, A. (2017). Poluição atmosférica: breve revisão da situação em Portugal e os impactos na saúde pública. Boletim Epidemiológico Observações, 6(19), 20-25.
[7] QUALAR – Informação sobre a qualidade do ar .
[8]Jos Lelieveld, Klaus Klingmüller, Andrea Pozzer, Ulrich Pöschl, Mohammed Fnais, Andreas Daiber, Thomas Münzel, Cardiovascular disease burden from ambient air pollution in Europe reassessed using novel hazard ratio functions, European Heart Journal, Volume 40, Issue 20, 21 May 2019, Pages 1590–1596
[9]Coelho, J. L. B., & Alarcão, D. (2016). On Noise Mapping and Action Plans in Portugal. In 23rd International Congress on Sound and Vibration (ICSV), GREECE, Published.
[10]Stansfeld, S. A., & Matheson, M. P. (2003). Noise pollution: non-auditory effects on health. British medical bulletin, 68(1), 243-257.
[11]Ising, H., & Kruppa, B. (2004). Health effects caused by noise: evidence in the literature from the past 25 years. Noise and Health, 6(22), 5.
[12]Plano de Ação de Ruído de Lisboa
[13] Antunes, Sónia, R. Rosão, and Margarida Rebelo. “Paisagens sonoras de zonas históricas: Estudo piloto em duas zonas típicas da cidade de Lisboa.” (2016).
[14]Nieuwenhuijsen, M. J., & Khreis, H. (2016). Car free cities: pathway to healthy urban living. Environment international, 94, 251-262.
[15] Para referência – a candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial tem 70 Hectares
[16] “Madrid Central logró en el segundo trimestre los mejores registros de polución de los últimos diez años”, El País, 3 de Julho de 2019.
[17]Nieuwenhuijsen, M., Bastiaanssen, J., Sersli, S., Waygood, E. O. D., & Khreis, H. (2019). Implementing Car-Free Cities: Rationale, Requirements, Barriers and Facilitators. In Integrating Human Health into Urban and Transport Planning (pp. 199-219). Springer, Cham.
[18] Pinheiro, A. S. V. R. M. (2016). Logística urbana: desafios e inovação (Doctoral dissertation).
[19] Coimbra, R. V. (2015). Avaliação de soluções de logística urbana na baixa da cidade de Lisboa: as perspectivas dos sectores público e privado.
Marluci Menezes – Antropóloga

Marluci Menezes
Antropóloga
Aprender a cocriar com os cidadãos uma nova Praça do Martim Moniz
A complexidade das problemáticas que se colocam à intervenção urbana na área do Martim Moniz, torna particularmente relevante um olhar cuidado e mais sensível acerca do que ali se propõe, uma vez mais, (re)fazer. Isto porque, o já património de práticas de intervenção urbana ali protagonizadas se têm revelado pouco consistentes com a conceção de cenários urbanos que, de algum modo, sejam mais consequentes com a tão almejada sustentabilidade urbana enquanto tríade relacional das questões que respeitam à sociedade, ao ambiente e à economia.
De entre os vestígios que narram intenções, processos e resultados de intervenção urbana no espaço que hoje se designa como Praça do Martim Moniz, é saliente constatar inspirações de teor top-down e de higienização, adequando-se as mesmas aos rumos ditados pelo presente que as enquadra. E que, na atual conjuntura, em muito se têm guiado por um urbanismo empreendedor e economicista, onde a cultura transforma-se apenas numa vitrina evocativa das pessoas que desenham a diversa, diferente e tão desigual dinâmica social local. A impressão que fica é que o até agora conseguido não tem agradado nem a gregos nem a troianos, justificando mais uma intervenção, ou melhor dizendo: transformação.
Talvez, a necessidade de transformação desta área da cidade e, em específico, da Praça do Martim Moniz, seja um dos seus maiores patrimónios, já que a par de ser um contentor de memórias da cidade, insinua a tão necessária adaptação transformativa do espaço urbano, criando no presente o que se ambiciona para um futuro não muito longínquo. Mas, aqui convém cuidar e, de modo sensível, atentar aos traumas oriundos de intervenções anteriormente impostas. E, mais do que afirmar que a solução para a Praça é um jardim, pois isto não sei dizer, na medida que me parece que são muitas as variáveis que têm de ser equacionadas, pensadas, negociadas e mediadas, chama-me a atenção a reivindicação cívica e coletiva de uma pré-ideia do que ali pode ser enquanto espaço comum e público.
Se importa aprender com um património de práticas de intervenção no local, para dali fazer um melhor lugar, é certo que o caminho passa por também aprender a cocriar ideias numa plataforma mais adaptada às necessidades socio-transformativas locais. Muito provavelmente, mais do que um novo projeto em si próprio, trata-se do inventar um novo processo de criar espaço público. Enfim, aprender a cocriar em conjunto com os cidadãos uma nova ideia para a Praça. Até porque, as relações entre espaço e sociedade são de tal modo estreitas que a sua rutura pode vir a constituir-se como um grave risco de desagregação social e de ameaça ao sucesso da ideia projetada de espaço.
Assim, a atenção a ter na adequação entre o social e o espacial, pois aí reside a necessária continuidade (como também um potencial de transferibilidade) de bons resultados de intervenção urbana, uma condição que pode ser associada às questões da sustentabilidade urbana. E, quem sabe, para além do interessante exemplo de iniciativa cívica que contextualiza o Movimento Jardim no Martim Moniz, a Praça vir a efetivamente integrar um mapa de boas práticas de fazer e cocriar o espaço público da cidade.
Paula Miranda – Arquitecta

Paula Miranda
Arquitecta
Começo por olhar para a Praça do Martim Moniz como uma pessoa que mora em Arroios e trabalha na Baixa, como mulher, como mãe, como portuguesa branca, de uma suposta classe média que de tão baixa tem mais interesse em saber onde pode comer o almoço feito em casa do que de mais novos restaurantes. Como, felizmente, ainda me posso dar ao luxo de fazer a pé o percurso casa-trabalho passando, parando, encontrando outras vidas, novas ou conhecidas, na Praça do Martim Moniz, enquanto cidadã é isso que quero poder continuar a fazer. Por isso defendo que o Martim Moniz seja entendido efectivamente como um espaço público, onde a sustentabilidade enquanto bem comum seja o garante do seu sucesso e não a sua rentabilidade.
Face à possibilidade de uma intervenção no Martim Moniz, seria útil que houvesse um sítio agradável para nos sentarmos a ler um livro enquanto os miúdos brincam sem ter de atravessar a Baixa até ao Campo das Cebolas, onde conversar com amigos ou fazer reuniões mais informais, sem ter de pensar quanto dinheiro tenho na carteira ou se as crianças vão incomodar os turistas. Gostaria que fosse mais simples atravessar a Praça no percurso Rua da Palma – Praça da Figueira do que ser encaminhada para um passeio que as esplanadas tornam estreito e onde se continue a dançar ou fazer Tai Chi.
Como arquitecta essa será também a primeira questão a colocar: para que deve servir este espaço? Qual é o programa?
Naturalmente a pergunta seguinte será sobre o orçamento disponível.
Actualmente existem soluções técnicas, tanto ao nível das engenharias como da arquitectura e da arquitectura paisagista que, com maior ou menor imaginação dão resposta a situações tão ou mais complexas como a existência do parque de estacionamento e estação de metro sob a actual Praça do Martim Moniz. Todas as soluções técnicas terão, por seu turno, vantagens e desvantagens que só podem ser correctamente equacionadas perante dados e objectivos concretos.
Poderia esboçar a minha Praça do Martim Moniz, aquela que descrevi como cidadã e imagino como arquitecta, mas tratando-se de um espaço público com a relevância do Martim Moniz entendo que é fundamental também ouvir outros.
Aos pés da Mouraria, com vista até ao Castelo, a Praça do Martim Moniz distingue-se pela ocupação que sempre resultou do desejo da população que em seu torno vive e trabalha, único espaço público amplo disponível numa área destinada a quem, desde as suas origens, não tinha direito a outras áreas da cidade.
A particularidade de ser vivida como uma praça de bairro(s) e simultaneamente o espaço urbano de onde parte a manifestação do 1º de Maio ou se celebra o fim do Ramadão, torna-a terreno particularmente sensível, onde já várias experiências urbanísticas não resultaram como anunciado. Aprendamos pois com essas experiências de modo a não cair nos mesmo erros.
Intervir na Praça do Martim Moniz pode ser a oportunidade de dignificar uma praça única na sua multiplicidade de funções, definidas ouvindo quem vive e trabalha em seu torno, considerando o movimento cidadão que se vem a manifestar em defesa deste espaço público recusando o projecto anunciado, que a tantos (se não todos?) chocou.
Pode também ser o momento de repensar a sua relação da praça com a envolvente próxima, resgatando-a do seu papel de rotunda desenhada para um tráfego automóvel obsoleto quando não se previam as actuais filas na paragem do eléctrico. Pode também ser quando se analisam em rigor as pré-existências subterrâneas e a sua adequação ao que se pretende como futuro desta área da cidade possibilitando redesenhar o espaço público à superfície de modo a dar espaço às funções a que se destina.
Parafraseando o arquitecto Alberto Campo Baeza quando compara um arquitecto a um médico, há que ouvir o paciente para um correcto diagnóstico. Uma vez feito o diagnóstico, caberá aos técnicos encontrar respostas aos problemas colocados, equacionar e, se necessário, inventar novas soluções técnicas. Se outros motivos não houvesse, a história da Praça do Martim Moniz justifica claramente que a proposta para a sua requalificação deve ser encontrada através de concurso público, chamando um alargado e qualificado número de técnicos a encontrar respostas ao programa definido.
A Praça do Martim Moniz merece ser um espaço público de qualidade pensado com e para os seus cidadãos, pode ser o exemplo de como a partir de um maior número de vozes ouvidas e soluções apresentadas se encontra o projecto que melhor serve Lisboa.
Paula Miranda, arquitecta
Paulo Ferrero – Fundador Fórum Cidadania Lx

Paulo Ferrero
Fundador Fórum Cidadania Lx
As notícias que dão conta do cancelamento pela CML do projecto dos quiosques e, sobretudo, da concessão a privados (dada pela CML como adquirida e, portanto, como facto consumado) do imenso espaço público do Martim Moniz, são de aplaudir.
Estão de parabéns todos os que protestaram e deram a cara contra a concessão e contra a solução paisagística que a CML queria impor à cidade, desde logo os que constituem o movimento “Jardim Martim Moniz”.
De facto, todo o processo começou mal e iria acabar pior se ninguém se lhe opusesse. A discussão pública informal (obrigado, redes sociais!) tomou as proporções expectáveis se a CML tivesse promovido a verdadeira discussão pública antes de conceder a concessão da praça (talvez por isso o não tenha feito oportunamente) e o resultado foi que se fez luz: a CML fez o mais correcto e recuou.
Este recuo perante as evidências não deve ser visto como uma vergonha, acto de cobardia ou medo, antes pelo contrário, devemos aplaudir. Apenas se escreveu-se direito por linhas tortas, e mais uma vez, o que se vem tornando um mau hábito.
E acabou por se conseguir o que de fundamental havia sido pedido na petição pela “anulação da concessão da Praça e proposta de metodologia e concurso público”, lançada pelo Fórum Cidadania Lx em Novembro de 2018: https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT91194&fbclid=IwAR0uoq5wkcXusYmWKYdno2SKFMzw5w2dvkYul4Vo7Q2KcjMQQgWGVifQlYk.
Aguarda-se, agora, que o concurso de ideias a lançar pela CML assegure previamente duas coisas fundamentais: que o espaço público do Martim Moniz é de todos e, portanto, não é para concessionar a privados, e transparência em todo o processo.
Sem esquecer uma vírgula do que a Cidade reclama para o Martim Moniz: ser um espaço verde de facto, e não um paisagismo de bibelots.
E que se assegure que o envolvimento da população é a todos os níveis, a começar pelo júri do concurso.
A cidade agradece.
E a CML só tem a ganhar com isso.
Pedro Prista – Antropólogo
Pedro Prista
Antropólogo
Um Jardim no Martim Moniz parece-me ser a solução que acerta a cidade consigo e com o seu futuro, tanto naquele espaço como no conjunto a que ele se articula.
O jardim virá emendar um cúmulo de dissonâncias que ali se concentram e que com o tempo transformaram o Martim Moniz numa charada urbana agravada pelas sucessivas soluções frustres que tem tido e que só lhe denunciam a persistência dos problemas.
1 Começo pelo mal-estar que o lugar persistentemente infunde na simples experiência passageira de o atravessar. Ele parece ocluso, congestivo e opressor e recomenda que se saia dele depressa. Todo o movimento acaba ali impedido ou a refluir de forma confusa, confrontando o seu próprio ruído. Aquilo é uma “praça”? Ou é uma rotunda; um largo; vários largos; um rossio; um beco?
“Aquilo” é a permanente impossibilidade recíproca do trânsito e da “praça”. Um jardim no Martim Moniz retira o problema do nó onde está preso e recoloca-o no plano livre onde inúmeras decisões, tanto sobre ele como sobre a cidade, se tornam possíveis.
2 O lugar é uma constante desarmonia na sua forma e dimensões que afasta dele os seus bairros ribeirinhos e lhes impede a experiência da praça ou seja daquilo que deveria ser para eles o seu espaço comum. O mal-estar não resulta tanto da forma da praça como da vida que impede ou desconforta.
A vida dos bairros não protagoniza ali o lugar enquanto praça mas apenas como conjunto intermitente de rebordos. O centro, grande, oblongo e vazio demais para a escala e ritmos dos bairros vizinhos, acaba abusado pelos fluxos citadinos que lhe acentuam o corte com as suas margens e as suas encostas habitadas, arredando assim a vida urbana local para fora da “praça”. Praça e bairros vizinhos colidem ali na tensão do seu desacerto recíproco.
O centro da “praça” vai-se prestando ao acaso da chegada de gentes e de usos episódicos o que lhe dá um falso ar de cosmopolitismo “étnico”, mas, na verdade, ele é apenas um espaço sobrante para onde se pode ir e que revela a tensão profunda da condição imigrante.
Entretanto pelas encostas o despovoamento vai entregando o casario ao imobiliário e ao pitoresco turístico e resumindo a praça à função panorâmica, ou seja, rápida e alheia. O mal-estar da praça reflecte e agrava o de morar na sua vizinhança. O jardim pode e deve ajudar a inverter esta fatalidade recíproca.
3 Para além de um lugar de mal-estar urbano, o Martim Moniz, tal como está ou, pior ainda, se condenado a feira subalterna permanente, obsta também a que o centro da cidade recupere uma vida urbana própria e não apenas cénica, envolvendo todo o conjunto variado dos seus espaços.
Para isso o Martim Moniz tem de deixar de ser o mau remate de uma avenida de ligação entre o centro da cidade e os seus arcos exteriores e retomar o seu lugar como peça essencial do centro da cidade.
Nos últimos anos e ao contrário dessa cidade que se desligou do seu mar e fez da sua margem uma muralha para instalações portuárias industriais e um sistema rodo ferroviário intransponível, Lisboa tem vindo a refazer a sua ligação axial ao mar e à luz reabrindo-se ao rio.
Neste regresso de Lisboa a si o Martim Moniz tem um importante papel a desempenhar, mas para isso precisa de ser reposto de novo no conjunto central histórico, aberto, luminoso e ribeirinho de Lisboa de onde foi retirado para servir de remate a um dispositivo viário pensado em função de uma cidade exterior e orientada para fora.
Neste centro articula-se um sistema de praças que ora se abrem ao rio ora se recolhem dele. Terreiro do Paço, Largo do Corpo Santo, Campo das Cebolas, vivem abertas sobre o rio e o mar e expostas a eles. O Largo de S. Domingos, a Praça da Figueira, o Rossio, não só espraiam a cidade pela sua baixa como a recolhem a si. São praças interiores e protegidas, também próprias de uma cidade marítima, no sentido físico e funcional. Estão ligadas por meandros e passagens e precisam de se conjugar mais, ou seja, articular-se e complementar-se em vocações diferentes unindo melhor a variedade e ritmo da Baixa.
O Martim Moniz deveria ser posto em diálogo com o Rossio, o Largo de S. Domingos e a Praça da Figueira e pode por essa via ter um papel muito importante na regeneração da Baixa oferecendo um espaço verde, fresco, arejado e tranquilo, o que as outras praças não podem, nem têm vocação para fazer. O Martim Moniz deveria ser um lugar de pacificação de vida da Baixa. Nada como um jardim para o fazer.
4 Por fim, o jardim do Martim Moniz será necessariamente um novo e valioso elemento do património da cidade. O desafio que será lançado é enorme e só um ambicioso concurso de ideias poderá responder a um programa que será sempre de elevada exigência técnica e de criatividade urbanística. Trata-se de projectar, não um simples enclave verde engaiolado naquela praça, mas um respiradouro ambiental e humano de todo o sistema que conflui na Baixa, restaurando e defendendo a vida residencial dos bairros vizinhos dos quais o jardim será então lugar de vida em comum.
Pedro Prista
René Boer – Investigador e Crítico de Arquitectura

René Boer
Investigador e Crítico de Arquitectura
«Martim Moniz Square is a unique and multi-layered urban space with huge importance for the communities of the surrounding neighborhoods. Given the growing pressure on our cities today, any plan for the development of the square should take the voice of citizens, and their call for more green space, into account»
«A praça do Martim Moniz é um espaço urbano único e ecléctico, de extrema importância para as comunidades dos bairros circundantes. Face à pressão actual crescente de que as nossas cidades são alvo, qualquer projecto de remodelação da praça deveria ter em conta a opinião dos cidadãos e o seu desejo de mais espaços verdes.»
Roberto Falanga - Sociólogo & Investigador

Roberto Falanga
Sociólogo & Investigador
De quem é a praça do Martim Moniz?
A praça do Martim Moniz pertence a todos. Para compreender o porquê, é necessário entender que as dinâmicas instauradas entre o Movimento “Jardim Martim Moniz” e a Câmara Municipal de Lisboa (CML) remetem ao direito à cidade.
Fazendo uma breve digressão histórica, foi nos turbulentos anos 60 e 70 que o conceito de direito à cidade foi colocado no debate científico para, a partir daí, ser interrogado, desdobrado, esmiuçado por muitos intelectuais (Lefebvre, 1968). Uma das interrogações que este conceito levanta, refere-se à origem dos desequilíbrios de poder e à sua relação com o espaço urbano. Deverá a componente espacial ser entendida como um atributo dos desequilíbrios de poder (Soja, 2010)? Ou deverão esses desequilíbrios ser entendidos a partir da sua distribuição no espaço urbano (Marcuse, 2010)?
Refletindo sobre essas interrogações no contexto da reivindicação em curso na praça do Martim Moniz, quais são os desequilíbrios de poder que existem? E qual a sua distribuição espacial na cidade?
Segundo a informação disponibilizada no website jardimartimoniz.pt, a CML terá recebido em finais de 2017 um novo projeto para a ocupação da praça do Martim Moniz pela empresa Moonbrigade. Entretanto, a NCS (ncs.pt), empresa parceira da Moonbrigade e antiga concessionária do Mercado Fusão na praça do Martim Moniz, não terá cumprido por completo o acordo estipulado com a CML em 2012. Apesar disto, a CML não terá rescindido o contrato decidindo continuar a colaboração com esta empresa através da Moonbrigade, a qual visa ampliar o número de quiosques na praça.
Perante os protestos que, entretanto, se têm levantado e organizado no Movimento “Jardim Martim Moniz”, juntando associações, coletivos e residentes, também alguns membros da CML têm manifestado preocupação com o sucedido.
Estamos perante uma situação onde a garantia de leis, normas e procedimentos administrativos iguais para todos parece comprometida. Se a CML é a instituição que deve tomar decisões transparentes e justas em representação dos seus habitantes, a contestação e oposição cívica do Movimento em matéria de uso do espaço público é uma chamada legitima à prestação de contas do executivo.
Percebe-se, então, que a luta para um jardim na praça do Martim Moniz passa por uma reivindicação mais abrangente que convoca questões históricas e espaciais. A praça do Martim Moniz foi durante muito tempo um espaço negativamente conotado, devido à proximidade com um quadrante considerado desfavorecido entre a Mouraria e o eixo da Avenida Almirante Reis. Mais recentemente, a praça e o seu envolvente têm sido palco de uma transformação profunda alimentada por entidades públicas à escala local e supralocal, bem como de associações e grupos informais. Todavia, este esforço leva consigo a marca – a sina segundo alguns – de uma “Lisboa regenerada” que prefere grandes investimentos imobiliários aos seus habitantes. No centro histórico, a aceleração da transformação tem sido intensa e os interesses de agentes privados que se associam à requalificação têm sido mais elevados do que em outros locais.
Para o demonstrar, outros movimentos e coletivos têm surgido dentro ou muito próximos do centro histórico da cidade, reivindicando mais espaço público e/ou mais transparência nas concessões privadas. A começar pelo “Jardim do Caracol da Penha” em 2016 (https://www.caracoldapenha.info/), passando pela plataforma “Libertem o Adamastor” em 2018 (https://www.facebook.com/groups/2041316469220022/), até à plataforma “Stop Torre 60m Portugália” em 2019 (www.facebook.com/stoptorre) e, mais recentemente, com o projeto “Transformar Marvila com Jardim e Ciclovias” (www.facebook.com/transformarmarvila). Conforme sugerido por Marcuse (2010), a força desses movimentos estará na capacidade de dar voz não apenas aos seus membros, como a todos os que em situações de marginalidade têm uma palavra a dizer sobre a cidade.
De quem é, portanto, a praça do Martim Moniz?
Para responder a esta pergunta será necessário, em primeiro lugar, expor publicamente que, juntamente à atuação legitima da CML, existe uma reivindicação igualmente legitima de cidadãos que exigem transparência e justiça nas decisões tomadas pelo executivo. A defesa da praça do Martim Moniz como espaço público é uma luta para ter direito à cidade que necessita de apoio e de fazer rede com outros movimentos e coletivos, porque os impactos das transformações do centro histórico têm vindo a propagar-se de formas diversas dentro da malha urbana e peri-urbana de Lisboa. E, por isso, auspico que os movimentos, quer dentro como fora do centro histórico, saibam ultrapassar as fronteiras reais e simbólicas da cidade, para entrarem em dialogo, encontrarem-se e, o mais rápido possível, ganharem escala.
Referências
Lefebvre, Henri (1968) Le droit à la ville. Paris: Éditions Anthropos.
Marcuse, Peter (2010) “From critical urban theory to the right to the city” City, 13:2-3, 185-197.
Soja, Edward (2010) Seeking Spatial Justice. Minneapolis: University of Minnesota Press.
Simone Tulumello – Investigador e geógrafo

Simone Tulumello
Investigador & Geógrafo
Martim Moniz: para um espaço plenamente «público»
Simone Tulumello, investigador e geógrafo, ICS-ULisboa
20 de maio de 2019
O Martim Moniz é um espaço público marcante da história e geografia do centro histórico de Lisboa. Encontrando-se localizado no encontro de bairros com trajetórias diferentes e específicas (a Baixa, a Colina de Sant’Ana, a Mouraria, o Intendente), o Martim Moniz foi sempre atravessado e vivido por uma pluralidade de grupos sociais – inclusive, nas últimas décadas, por grupos de origem migrante que escolheram esta praça para momentos e atividades marcantes da sua vida cultural e pública (por exemplo, o Ano Novo Chinês ou o jogo do cricket).
Estudos etnográficos têm documentado, no tempo, a complexa vivência desta praça e a sua utilização flexível e múltipla: um verdadeiro espaço público [1]. Exatamente por ser um espaço plenamente público, democrático e acessível, a história do Martim Moniz está também marcada pela visibilidade de problemas sociais típicos das suas áreas urbanas mais próximas, inclusive alguma expressão de venda e consumo de drogas e a prostituição. Esta visibilidade tem contribuído para uma profunda estigmatização da praça, que a comunicação social tem longamente associado com criminalidade e insegurança [2]. De facto, o tema da insegurança esteve explicitamente presente nas recentes políticas de regeneração urbana pela área da Mouraria e Martim Moniz [3] , e o Martim Moniz foi incluído num projeto de videovigilância avançado pela PSP com a participação da Câmara Municipal de Lisboa: projeto, porém, que foi chumbado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados em 2011, porque os dados fornecidos pela própria PSP demonstravam que, fora da retórica, a área que vai da Baixa Pombalina ao Intendente não se caracterizava por níveis de crime registado anormais ou altos [4]. Estudos científicos produzidos em épocas diferentes e com metodologias diferentes demonstraram consistentemente que o Martim Moniz nunca se caracterizou por níveis altos de crime e insegurança efetiva, e que as recentes dinâmicas de regeneração têm vindo a reduzir a expressão de atividades comummente associadas com perceções de insegurança [5].
Em suma, o Martim Moniz representa um espaço paradigmático do centro histórico de Lisboa, da sua diversidade e riqueza sociocultural, mas também da persistência de pobreza e vulnerabilidade social. Qualquer intervenção arquitetónica ou urbanística deve partir dessa reflexão. Por um lado, exatamente pela importância do Martim Moniz na autorrepresentação e participação pública de tantos grupos, a sua natureza de espaço público precisa de ser aprofundada e decididamente resgatada depois de anos de uma experiência de privatização claramente fracassada – o chamado Mercado de Fusão – que, em nome de uma diversidade estereotipada e banalizada, tem reduzido o espaço disponível para a verdadeira diversidade de usos da praça [6]. Por outro, é necessário refletir sobre o impacto concreto que qualquer política ou intervenção poderá ter sobre as dinâmicas socioeconómicas. Claramente, a promoção de um espaço vedado e exclusivo, orientado para o consumo de populações com grande poder de compra, não poderá senão contribuir para incrementar as desigualdades socioeconómicas do contexto local e, portanto, precisamente para a reprodução dos problemas cuja visibilidade é considerada causa de insegurança.
De facto, existem, na história urbana internacional, centenas de casos comparáveis à progressiva privatização do Martim Moniz; casos que demonstram consistentemente como a construção de barreiras e fronteiras aumenta a perceção de insegurança, e como o recurso a medidas como policiamento e videovigilância acaba por apenas afastar os problemas e não resolvê-los.
Assim, parece evidente que o Martim Moniz precisa ser pensado como um espaço capaz de atrair variadas populações e usos, em diferentes espaços e diferentes horários, assim contribuindo para uma maior vitalidade e, consequentemente, maior perceção de segurança. Precisamente pela complexidade das necessidades locais e pela importância do Martim Moniz como espaço público estrutural da cidade de Lisboa, o melhor percurso será através de um processo participado que possa capturar as diferentes necessidades do contexto: claramente mais espaços verdes – numa área da cidade em clara carência de natureza –, mas também pensando as atividades desportivas e outras formas de lazer. Sobretudo, um espaço onde o acesso não esteja condicionado ao consumo: um espaço novamente e plenamente aberto, acessível. Em suma, um espaço plenamente «público».
[1] Ver, por exemplo, Menezes, Marluci (2009). «A Praça do Martim Moniz: Etnografando Lógicas
Socioculturais de Inscrição da Praça no Mapa Social de Lisboa». Horizontes Antropológicos 32, 301-328. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832009000200013.
[2] Ver Tulumello, Simone & Ferro, Giacomo (2013). «Le volatili rappresentazioni di piazza Martim Moniz a Lisbona», Quaderni U3, 1(3), 13-19. http://www.urbanisticatre.uniroma3.it/dipsu/wp-content/uploads/2014/01/01_U3_quaderni_03_TulumelloFerro.pdf.
[3] Ver Tulumello, Simone (2016). «Reconsidering Neoliberal Urban Planning in Times of Crisis: Urban Regeneration Policy in a “Dense” Space in Lisbon». Urban Geography 37(1), 117-140.
http://dx.doi.org/10.1080/02723638.2015.1056605.
[4] CNPD, parecer 5/2011, https://www.cnpd.pt/bin/decisoes/Par/40_5_2011.pdf. Ver também Tulumello, Simone (2013). «Panopticon Sud-Europeo: (Video) sorveglianza, Spazio Pubblico e Politiche Urbane». Archivio di Studi Urbani e Regionali 107, 30-51. https://www.academia.edu/4885084/Panopticon_sud-europeo_video_sorveglianza_spazio_pubblico_e_politiche_urbane_Archivio_di_Studi_Urbani_e_Regionali_.
[5] Ver, por exemplo, Esteves, Alina (1999). A Criminalidade na Cidade de Lisboa. Uma Geografia da Insegurança, Lisboa: Colibri; Ferro, Giacomo (2012). Re-Inventar um Bairro: Análise de uma Reforma Sócio-Urbanística no Bairro da Mouraria (Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa). http://hdl.handle.net/10362/8714; Tulumello, Simone (2016), op. cit.
[6] Ver Gomes, Pedro (2019). «The birth of public space privatization: How entrepreneurialism, convivial urbanism and stakeholder interactions made the Martim Moniz square, in Lisbon, “privatization-ready”». European Urban and regional Studies. Online first. https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0969776418823052.
Tiago Mota Saraiva – Arquitecto

Tiago Mota Saraiva
Arquitecto
Não sei se o Martim Moniz deve ser um jardim mas estou particularmente convencido que as praças das cidades não podem ser privatizadas e deixadas ao livre arbítrio deste ou daquele interesse privado que apenas quer consumir o espaço público para seu lucro máximo.
Sabemos que a concessão proposta já faliu uma vez e que esta sua segunda vida apoiada por quem especula com os edifícios da cidade só será bem sucedida se conseguir higienizar a praça, afastar as culturas que se manifestam de forma livre e espontânea em toda a sua diversidade social, construindo um “freeport” a céu aberto que possa agregar turistas e cobrar preços exclusivos.
Defendo que a solução para o Martim Moniz deva passar por um processo participativo sério que congregue o número de pessoas crescente que já não aceita modelos do séc. XX em que a cidade era planeada em função da gestão de interesses privados e dos seus impulsos de investimento.
Se neste processo participativo deve ser considerada a hipótese de um jardim? Certamente que sim. O parque de estacionamento enterrado do Martim Moniz não faz com que um jardim seja uma impossibilidade técnica. Há muitos anos que se constroem coberturas ajardinadas, com soluções diversas e de distintas densidades. E desde quando é que não podemos reconsiderar a existência do seu parque de estacionamento enterrado? Até que ponto é que não faz sentido diminuir o número de lugares de estacionamento na Baixa e criar no Martim Moniz uma bacia de retenção natural que possa absorver as águas que descem a Almirante Reis?
Há, neste escrito, diversas interrogações. Elas revelam a forma como entendo que se deve construir cidade no séc. XXI. A participação deve ser acompanhada de estudos técnicos e conduzir à elaboração de um programa qualificado e com o qual as pessoas se identifiquem. Este programa deverá ser a base de um concurso público de concessão, onde se apresentem soluções técnicas para as questões colocadas.
Se bem organizada, esta forma de fazer cidade pode ser mais célere, poupando energias no litígio, e mais económica, poupando o Estado a ter de acabar por pagar a factura de aventureirismos ou predadores de cidade. Criará, certamente, um sistema mais democrático e exigente de gestão de cidade e ajudará a acabar com um conjunto de pequenos e grandes poderes que vivem da opacidade do sistema. A mobilização em torno do Martim Moniz e o progressivo refrear do município em torno da decisão sobre o projecto de contentorização, levam-me a crer que podemos estar perante um momento novo de discussão sobre a cidade e que poderá servir de exemplo para outros projectos e espaços a necessitar de intervenção em Lisboa.
Tiago Mota Saraiva
Arquitecto
Viriato Soromenho-Marques – Professor Catedrático de Filosofia, Universidade de Lisboa

Viriato Soromenho- Marques
Professor Catedrático de Filosofia, Universidade de Lisboa
UMA ESPERANÇA E UM EXEMPLO A SEGUIR
Escrevo já depois de o Município de Lisboa ter recuado no seu anterior propósito de criar uma estrutura comercial – se é que o previsto arquipélago de contentores merece esse nome – num espaço urbano com as características singulares da Praça Martim Moniz. Esse recuo ficou a dever-se à organização e trabalho persistente de um grupo de cidadãos que não se limitou a protestar, mas foi capaz de propor uma alternativa, que deu nome ao próprio Movimento Jardim Martim Moniz, que recebeu o apoio de milhares de cidadãos num abaixo-assinado.
Este é, contudo, um momento particularmente delicado, pois não está assegurado que a recusa do projecto anterior signifique a opção pelo jardim. Pela minha parte, gostaria de juntar a minha voz de apoio a este movimento por três razões fundamentais.
- Lisboa necessita de mais áreas verdes para se transformar numa cidade onde quem nela vive se sinta verdadeiramente em casa. Mesmo para os turistas e todos os visitantes ocasionais, os espaços de recolhimento e retempero de forças, que só os jardins constituem, são indispensáveis.
- A expansão de áreas que desempenhem funções ecológicas, como é o caso dos jardins, serão cada vez mais indispensáveis num futuro marcado pelas alterações climáticas. Lisboa terá de incluir, antes que a dura realidade a isso obrigue, no seu planeamento estratégico para as próximas décadas uma carteira de investimentos volumosos em medidas de adaptação. A criação de zonas de sombra e o incremento do albedo passam por essas medidas.
- Num futuro de médio prazo, uma parte das políticas públicas na Europa e em Portugal serão devolvidas às cidades. Isso significará que as urbes mais resilientes serão aquelas com capacidade de mobilização cívica, isto é, capazes de complementar as instituições da democracia representativa com iniciativas direccionadas e bem fundamentadas para problemas concretos, que ajudarão a governar as cidades em respeito pelos princípios da subsidiariedade e do melhor interesse geral.
Os cidadãos que lutam pelo Jardim de Martim Moniz correspondem positivamente às três razões acima apontadas. São um factor de esperança e um exemplo a seguir. Por isso lhes quero prestar o meu inteiro apoio.
28 de Agosto de 2019
Viriato Soromenho-Marques
(Professor Catedrático de Filosofia da Universidade de Lisboa)